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“dizia ela: dance, dance, senão estamos perdidos”

Pina Bausch

 

É fácil encontrarmos em nossa memória afetiva exemplos de como a dança se torna fecundo material para a pintura. Não é de hoje que pintores buscam condensar a expressividade do movimento na infinitude do instante chamado tela. Criando assim imagens que em sua riqueza são capazes de eternizar em cores e formas a tensão do movimento. Aqui, na série ADENTRAMENTOS, o trabalho da coreografa alemã Pina Bausch inspira Anny Lemos à uma profunda reflexão artística sobre o corpo, o espaço e a consciência.

Vemos espaços que se abrigam. Quartos como caixas. E o convite é entrar. Habitar e conhecer esses cômodos desconhecidos e desérticos. Cores fortes dão a dinâmica do jogo. E o simples penetrar tais espaços já carrega em si inúmeras narrativas que, contudo, não conseguimos verbalizar.

 

Nessa arquitetura tão cheia de significados encontramos a dança. Uma bailarina presa pela cintura por uma corda sobreposta ao quadro – salientando ainda mais o cuidado com a textura que marca a série. Vemo-la entrar em tais espaços e a figura da corda parece dúbia. Não precisamos se a amarra está impedindo o movimento ou o sustentando. Se é o que a bailarina deixa como vestígio ou se é o que a impede de seguir. Seria a corda a negação do movimento ou sua própria razão? Aqui se aplica o que o filósofo luso-moçambicano José Gil comenta sobre a obra da Pina Bausch:

 

Estas visões múltiplas não formam uma espécie de polissemia (simbólica ou não) que carregaria as obras de Pina Bausch de um sentido particularmente rico. A multiplicação dos pontos de vista segue as direções que a própria peça induz: divergem, opõem-se ou contradizem, independentemente dos gostos subjetivos do espectador. São feitos para não convergir[1]

 

Acontece que toda a narrativa que a sequência de quadros parece sugerir acontece no mesmo estágio pré-verbal da linguagem no qual a dança existe. Os gestos do movimento dançado carregam sempre significados e emoções que nenhuma palavra é capaz de exprimir com exatidão. A bailarina é a única presença humana possível nos amplos espaços cada vez mais interiores, pois os habita silenciosamente (como os felinos). Na obra “Estado de Consciência” o percurso da série parece culminar na dissolução da figura da bailarina em três posturas complementares. Do cinza se alcança um voluptuoso vermelho. E a bailarina se veste com(o) o espaço que a cerca. Sentimos a plenitude de uma liberdade manifestada pela consciência do corpo. Gestos e movimentos compondo a mais pura presença. Um convite para auscultarmos nossos próprios lugares desconhecidos. Basta seguir a dança.

Túlio Stafuzza

Curador

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[1] Gil, José. Movimento Total o corpo e a dança. São Paulo: Iluminuras. 2013, p. 161.

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