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“criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade”

Clarice Lispector

 

O quanto do que somos nossas silenciosas pegadas relevam? O quanto do que permanece nasce do que foi abandonado? A arte deixa transparecer o que está invisível em nós? A busca pela compreensão de seus próprios vestígios motivou Anny Lemos a compor essas telas cheia de afirmações:

 

Figuras repetidas e repentinas Rastros de tintas antigas sobrepostas;

Memórias, percepções, indagações e enfrentamentos.

Aquilo que se tem e não se sabe;

Aquilo que não se sabe, mas se busca

(Anny Lemos)

 

A série VESTÍGIOS surge a partir da recuperação de pensamentos, técnicas e projetos trabalhados anteriormente pela artista. Moldes, autorretratos e grafismos são redescobertos de modo a respeitar o acaso. A composição é livre e a harmonia final é resultado da obra, não seu pressuposto.

Anny deixa emergir desse retorno figuras de mulheres em puro esplendor, presença e força. As formas femininas que em suas obras anteriores eram abordadas em sua leveza, sutileza e fragilidade aqui ressurgem em posturas firmes e expressivas. Nossa sociedade insiste em abafar a força que da mulher emana. Insiste em querer domesticar o desejo feminino, como se fosse possível com amarras reter a dança de uma bailarina. Contudo, essa força desprezada, preterida está sempre presente, esperando, espreitando...

VESTÍGIOS, assim, não representa somente a reutilização de técnicas, mas também a descoberta desta mulher plena e livre. O caminho da arte de Anny recupera e afirma esse poder feminino que em muito de nosso cotidiano só é permitido existir veladamente:

 

As coisas da arte são sempre resultado de ter estado em perigo, de ter ido até o fim de uma experiência, até um ponto que ninguém consegue ultrapassar. Quanto mais se avança, tanto mais própria, tanto mais pessoal, tanto mais singular torna-se uma vivência, e a coisa da arte é enfim a expressão necessária, irreprimível e o mais definitiva possível desta singularidade […]. Aí está a enorme ajuda das coisas da arte para a vida daquele que tem que fazê-las […] [1]

Túlio Stafuzza

Curador

 

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[1] Rilke, Rainer Maria. Cartas sobre Cézanne. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1996, p. 63.

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