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Tour virtual pela Galeria Luis Maluf 

“poeticamente o homem habita esta terra”

Friedrich Hölderlin

           

O quanto do que somos se expressa pelas cores e formas de nossas casas? Heidegger escreve um belo ensaio[1] acerca do significado de “habitar poeticamente esta terra” versado por Hölderlin. Para o filósofo alemão, não é mais possível pensar em quem somos abstraindo o lugar em que somos. Nos constituímos na e pela relação com nosso ambiente. Nesse âmbito, o discurso filosófico/intelectual, admite ele, não é suficientemente capaz de mostrar a nós mesmos o lugar que habitamos. Contudo, a arte é. Assim, “poeticamente o homem habita” significa que é somente pela poesia que o homem conhece sua própria morada e, concomitantemente, a si mesmo. É o fazer poético (e o que não falta para Anny Lemos é poesia) que revela o mundo/homem ao homem/mundo.

A postura de Anny é aqui antes de escuta que de fala. Silenciosamente a artista capta afetos que nascem da união de pessoas com seus lares. E os reverbera em sutis e profundas camadas de acrílica. São as cores que fundam o olhar. Nas obras dessa série o ambiente é rico em detalhes e cores. As figuras humanas possuem a mesma nitidez de uma lembrança longínqua. Como se algo da memória de suas ações vivesse invisível entre a mobília. Acentua-se a personificação dos lugares. A expressividade dos corpos humanos se concentra nas mãos em algumas telas. (As mãos... esses estranhos seres com o qual moldamos a matéria mundo). Tudo isso se opera de modo a evidenciar a necessidade que temos de criar por dentro de nossos cascos. A sintonia precisa da artista manifesta a serenidade desperta de nossos lugares quando íntimos:


As casas percebem

antes de nós

que nos tornamos felizes

(José Tolentino Mendonça)[2]

 

As imagens que Anny nos apresenta remetem a cenas de suas lembranças.  Assim, a reflexão sobre a intimidade da casa com seus habitantes ainda possui uma outra dimensão: somos também moradores de nossas memórias. Como nos legou padre Antônio Vieira:


Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Sabemos, no entanto, que a memória vence o tempo. A memória é o antitempo, o remédio para as fissuras do tempo, e só na memória palpita uma possível imortalidade.[3]


Aqui, as telas materializam o “antitempo”. A exposição “Lugares afetivos” nos envolve como se folheássemos um estimado álbum de fotografias amigas e cheias de encantos por se descobrir. A arte é aquilo que nos imerge na vida.

Andamos pela exposição espantados em descobrir que há lugares que nos habitam. Há tardes que não se vão sem antes possuírem algo de nós: a profundeza de uma luz, uma palavra ou alegria. Seriam as lembranças nós que damos na linha do tempo? Há dias que nos habitam, como o sonho habita a quietude da noite. E assim somos. Visíveis e incomensuráveis entre a permanência e o abandono.

 

Túlio Stafuzza

Curador

 

[1] ] Heidegger, Martin, “...poeticamente o homem habita...”. In. Ensaios e conferências. Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis: Vozes, 2002.

[2] Mendonça, José Tolentino. Baldios. Liboa: Assírio & Alvim. 2010, p.32.

[3] Vieira, Antônio citado por Antonio Olinto Marques da Rocha na ABL, Discurso de Posse, 12 de Setembro de 1997.

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